Laribau

Deserto. Calor ardente no Verão. Frio rigoroso no Inverno que bate em corpos já em tudo acostumados ao ritmo das estações.

Aldeia inóspita, perdida nas fragas dos montes transmontanos, austeros guardiães de mentes e de gentes.

Ai conheci Laribau, um “cigano” de além-mar, vindo do Brasil que botou raízes num baixo de uma casa velha e carcomida já a pedir restauro; onde o frio do Inverno e o calor do Verão apareciam sem serem convidados, através das frinchas de uma porta gasta pelo tempo e pelo caruncho.

Para uns, um louco, um mísero que vivia da generosidade de cada um e que carregava sempre com ele os seus fracos pertences. Para mim, um homem com alma de poeta que via o mundo com outras cores; que se havia desligado há muito deste “mundinho” onde corremos desenfreadamente de um lado para outro em busca de trabalho, dinheiro, apreço e que quando acabamos o dia chegamos a casa cansados, derreados mas a corrida continua… fazer jantar, lavar a loiça, deitar os filhos, dormir para no dia seguinte acordar às seis da manhã para recomeçar tudo de novo, num vaivém interminável.

Dizia eu que o Laribau tinha nos olhos a luz de quem está bem consigo próprio mas acho que só encontrava descanso ao deambular de um lado para outro, sempre a pé, de bordão e sobretudo, qualquer fosse o tempo que fizesse.

Nunca lhe soube o verdadeiro nome, acho que ninguém o sabia e se algum dia o souberam, perderam-no numa das muitas ruas e ruelas que percorrem a aldeia… se calhar tinham medo de o pronunciar pois, acho que apesar dos chistes e das piadas, as gentes por aqui temiam a liberdade que ele possuía…

Aparecia sempre sem avisar, perto da hora das refeições, sempre munido da sua colher:

-Oh, Sr.ª Odete, não tem ai tantita sopa que me bote numa malga e já agora um naco de pão? – dizia com um sorriso entre o malandro e o envergonhado.

Um dia numa casa, outro noutra e, assim de casa em casa ia mata bichando aqui, almoçando ali, jantando acolá.

Católico ferrenho, nunca falhava à missa de domingo… quando tal não acontecia era porque andava nas suas voltas, peregrinações a Fátima, a Lourdes ou a Santiago, ou a festas religiosas que abundam nesta região.

Quando por vezes já se temia que tivesse morrido, lá surgia ele na curva da estrada, sentado aos pés do castanheiro centenário, fumando deliciado o cigarro que havia cravado ao Ti João Xarabaneco.

Era um contador de histórias nato e, dava gosto ouvi-lo nas tardes de Verão quando o dia estava já a despedir-se e a brisa soprava suave e tranquila como carícia feita por mão invisível. Sabia falar de tudo e embora não partilhasse sempre das suas ideias, admirava-lhe a capacidade de ser diferente num mundo onde todos são o mais igual possível e onde quem não obedece à norma é doido varrido…

Num Inverno áspero em que o frio foi mais frio faltou Laribau à missa e, como tinha sido visto a entrar para a sua “casa” durante a noite, as gentes estranharam… falaram ao pároco que no acto tratou de sossegar as almas mais inquietas…

Foram dar com ele inerte, já sem vida no chão daquele quarto onde à noite se abrigava da chuva e da geada.

Na aldeia que cada vez mais se torna um deserto, mercê da imigração em busca de novos horizontes e de outras oportunidades de vida; Laribau é agora uma simples placa no cemitério, mas a recordação daquele homem simples que soubera semear nos olhos das gentes a fantasia, vai para sempre perdurar nas almas daquelas gentes simples, que têm como preocupação máxima o recolher das galinhas à noite para evitar os ataques da raposa, deixando entrever num sorriso quando olharem as estrelas um pouco da magia que ele possuía e que tão bem sabia partilhar.

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